Melancolia

Melancolia – a minha palavra favorita de 2011, por várias razões e mais uma. No início é assim: a face de Kirstin Dunst em grande plano, os “Caçadores na Neve”, de Brueghel, um cavalo aparelhado preso de movimentos, uma mãe que tenta salvar o seu filho, os acordes de “Tristão e Isolda” sobem de tom, um planeta desconhecido surge em rota de colisão com a Terra. O início é o fim do mundo, tal como Lars von Trier o pensou e encenou no filme “Melancholia”, que há-de estrear por cá brevemente.

O realizador dinamarquês, graças aos seus dois últimos filmes e a algumas declarações anedóticas pelo meio, também entrou em rota de colisão com a crítica. Deprimente, grotesco, enfadonho ou kitsch são alguns dos adjectivos usados para descrever “Melancholia” e o anterior “Antichrist”. Há, porém, uma outra maneira de olhar para estes filmes. Pondo de lado o filtro dos dias de hoje, carregados de lógica e cinismo, e usando uma mentalidade digamos que mais século xix. Lars von Trier transformou-se num romântico. Um romântico radical que cultiva estados emocionais extremos, como a depressão que se segue à morte de um filho ou a angústia que antecipa a destruição do planeta Terra, apenas para exacerbar a beleza que há num sentimento como a melancolia.

A melancolia é talvez a mais sublime forma de escapismo, mas com o passar do tempo foi caindo em desuso e hoje não passa de uma velharia. Se mais não fosse, com este seu filme Lars von Trier teve o engenho e a arte de a reabilitar.

Nos Idos de Março

Os Idos de Março ou 15 de Março do ano 44 a. C. é o dia em que Júlio César foi traído e morto com 23 facadas por um grupo de senadores romanos. “The Ides of March” é agora um filme, realizado por George Clooney, sobre manobras políticas, conspirações e traições nos bastidores da campanha para as primárias democráticas no estado do Ohio. Estamos, neste segundo caso, no domínio da ficção. Mas ao ver o filme é impossível não pensar nesta fábula como uma história recorrente da política, da antiguidade clássica ao Portugal dos dias de hoje.

Onde há política, mais cedo ou mais tarde haverá conspiração política. Maquiavel ensinou-nos isso nos “Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio”. O reconhecimento – mesmo com pruridos éticos – deste facto da vida, juntamente com Ryan Gosling, é a grande qualidade do filme de Clooney. Todos os que se submetem à política, e sobretudo aqueles que aí ascendem, devem estar preparados para os seus Idos de Março. Seja César, Clooney ou, descendo à Terra, o primeiro-ministro português.

E eis-nos no ponto a que queria chegar: nos últimos tempos foram vários os soi-disant senadores do PSD que vieram criticar a maioria, o Orçamento do Estado e as suas principais medidas. Até aqui tudo bem. Mas também já se fala num plano para substituir o governo por uma espécie de união nacional com PSD renovado, PS de Seguro, restos do cavaquismo e tutti quanti. Uma conspiração suave para produzir efeitos na altura de enfrentar um segundo resgate. Trata-se, com toda a certeza, de um exagero. De pura fabulação. A prudência, porém, nunca é de mais. Como diria o oráculo da peça de Shakespeare, esteja atento, Dr. Passos Coelho, esteja atento aos Idos de Março.

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