Meninos sem luz

Foi por um triz que não passei pelo Colégio Militar. Passaram dois irmãos meus algures nos anos 80 e não creio que guardem memórias afáveis. Um deles foi par délicatesse “convidado a sair” (o habitual eufemismo para expulso) devido a problemas disciplinares e depois de ser sujeito a indignidades que eu, apesar de muito pequeno, ainda recordo bem. Nessa altura, o Colégio Militar achou que o assunto se resolveria em silêncio e não fez nada para punir o aluno graduado que barbaramente tinha agredido e humilhado um rapaz de 14 anos. Os directores do Colégio não tiveram razão nenhuma no episódio. Apesar de mil e uma chantagens que não irei descrever aqui, os meus pais resignaram-se e retiraram os meus irmãos da escola. O aluno graduado autor das sevícias acabou por se suicidar anos mais tarde.

Um post não deve servir para expiações pessoais nem para ajustes de contas. Um caso é apenas um caso. Mas eu pus-me a ler este texto do João Gonçalves que sucintamente avisa "quem mete os filhos no Colégio sabe ao que vai", além de que o Colégio, como nenhuma outra escola, adocicado pelo politicamente correcto, deixou de "educar para a virtude" (qual virtude?). O João Gonçalves deixa-se levar por vezes pelo militarismo sul-americano com que gosta de brindar os seus leitores. Está convencido de que vive em Esparta.

Bem sei que o Colégio Militar ensinou muitas gerações em dois séculos; começou até por ser o lugar natural onde as elites se formavam; hoje creio que deixou de ser. Muita gente guarda recordações excelentes do tempo que lá passou. A associação dos antigos alunos do colégio envergonha todas as associações de antigos alunos que não existem noutras escolas e mesmo nas universidades. Há um código de disciplina e ética do Colégio Militar de que as instituições fortes precisam.

Mas - parece que de vez em quando há mesmo um mas a que não devemos fugir-, é uma completa aberração que, como sucede no Colégio Militar, qualquer aluno de 16 ou 17 anos acabe em graduado ou comandante de companhia, adquirindo poderes de direcção sobre os mais novos que ficam por isso permeáveis a toda a espécie de abusos. Penso que isto se mantém ainda, com os resultados que estão à vista. A História de abusos consecutivos praticados por alunos graduados, sem idade nem maturidade para as funções que lhes dão, mostra porque é uma ideia desastrosa. A coisa devia acabar quanto antes.

Nos últimos dias li nos jornais que muita gente protestou contra a publicação de notícias menos abonatórias para o Colégio Militar. Eu, pelo contrário, quero viver num país que não é indiferente a crimes como aquele que vitimou os dois alunos que decidiram processar o Colégio. O problema, de facto, não é o Colégio Militar. É uma cultura de impunidade que já dura há muitos anos. Prefiro Atenas a Esparta.