Plano nacional de tresleitura

1. O Vasco Barreto faz aqui neste post duas afirmações incorrectas, que merecem por isso comentário. Em nenhum ponto do meu artigo usei a palavra “messianismo” ou sugeri que é preciso um messias fora dos partidos para pôr ordem na casa. O tipo de autoridade política “representativa” e “reconhecida” pela “sociedade” que referi assenta precisamente numa lógica anti-messiânica. Os políticos-messias costumam ser professorais (Salazar é o exemplo), militares (Sidónio) ou carismáticos (naquele sentido em que estão a pensar). Ou seja, impõem-se de cima para baixo e, embora gozem de prestígio e reconhecimento, as suas âncoras sociais são frágeis. Por outro lado, o messianismo é anti-democrático e anti-partidário e também aqui o Vasco está enganado naquilo que escreveu. Os partidos são essenciais para a democracia e para a política: nada pode ser feito sem os partidos e não escrevi nada que indiciasse o contrário. Se ficaram dúvidas, afirmo-o aqui expressamente agora. Mas isto é muito diferente de dizer que tudo deve provir dos partidos. Que nos podemos bastar com a liderança de pessoas que se construíram só com a sua acção partidária. Não podemos. Até porque os partidos funcionam presentemente numa lógica interna bastante pervertida. Precisam de profundas reformas internas; de combater as práticas clientelares e conquista fraudulenta do poder; de funcionarem menos como "agências de emprego". É uma outra conversa, exige uma análise institucional que nos recusamos a fazer ou não fazemos bem. Acompanhemos os trabalhos da comissão contra a corrupção e vejamos o que dali sai.

2. O Vasco Campilho lembrou a minha falta de originalidade, uma vez que Joaquim Aguiar fez uma análise semelhante. Não conheço a obra de Joaquim Aguiar, mas detecto algumas diferenças a que o Vasco Campilho não deu a devida importância. Por exemplo, se for verdade (não confirmei) que Joaquim Aguiar refere que os “herdeiros” se sucedem aos “históricos”, eu insinuo que a força dos “professores” foi em certo sentido a negação dos “históricos”. Cavaco Silva e Sá-Carneiro não podem ser personalidades políticas mais diferentes: o cavaquismo não foi a continuação do sá-carneirismo por outros meios. Em segundo lugar, não é só Cavaco Silva que encaixa na tradição professoral. Muitos outros lideres ou quase-líderes que tivemos pertencem à mesma classe: Mota Pinto, Vítor Constâncio ou Rui Machete. Cavaco foi chefe de partido, mas depressa o deixou à solta: o aparelhismo do PSD começou aí. Concordo que Guterres é um caso à parte. Não o consigo meter em nenhuma das categorias e isso talvez explique o naufrágio do guterrismo. Terceiro, os “aparelhistas” também não correspondem aos “funcionários”. Finalmente, na adenda que escreveu ao seu post ao meu suposto plágio - uma óbvia mentira -, o Vasco Campilho revela uma correcção e uma boa-fé que, apesar das nossas escaramuças e divergências aqui de há tempos, entendo que devo registar.

3. Essa criatura com várias patas e um só pseudónimo ao serviço do secretário da propaganda, no exercício das soviéticas funções que lhe foram confiadas, divulgou o meu despacho de nomeação como assessor do José Arantes, no governo do Durão Barroso. Se queriam expor as minhas contradições, a tentativa é desastrosa: não censurei que uma pessoa trabalhe num gabinete ministerial, como eu próprio já fiz; censurei sim que a sua vida profissional se resuma ao carreirismo político. E se a tentativa passava por trazer informações novas que eu presumivelmente escondo a quem me lê, também é muito fraca. Estava tudo aqui nesta peça do PÚBLICO de há uns anos, quando me fizeram uma entrevista durante o referendo do abordo De facto, tive duas experiências como assessor governamental: na Presidência do Conselho de Ministros, entre Janeiro e Junho de 2003 e no gabinete de Durão Barroso, entre Março e Julho de 2004. Talvez uns dez meses. No essencial, pareceu-me útil e instrutivo. A propósito, lembro-me que quando Durão Barroso cedeu o posto a Santana Lopes era grande a preocupação de muita gente em saber se iria ou não continuar com o novo governo. Percebi que há assessores profissionais que ficam literalmente perdidos quando cai um governo. Pela minha parte, arrumei as malas e fui acabar a minha tese de mestrado que entreguei meses passados e depois dar aulas, trabalhar num grande escritório de advogados e por aí fora. Nunca mais tive qualquer contacto com qualquer governo e impudicamente digo (porque o contexto pressiona para que o faça) que, se um dia voltar a desempenhar quaisquer funções públicas, até é provável que os meus rendimentos se reduzam com esse passo. Não estou a falar disto para responder ao terrorismo pessoal que vem das corporações assessoras, mas porque leio este post de uma pessoa que eu julgava respeitável como o Eduardo Pitta de fico incomodado.