O coro dos nostálgicos

Sente-se uma nostalgia crescente em Portugal. A aspiração pelo regresso a tempos que alguns julgariam irreversivelmente ultrapassados; os tempos do cuidadinho com o que dizes.
É curiosa essa aspiração e ainda mais estranha a coligação formada para a suportar.

O comentário dos João Magalhães no Câmara Corporativa, que acusam o Público de manipulação a propósito desta notícia é só mais um pequeno episódio do fenómeno. A notícia do Público informa-nos que o «Tribunal da Relação de Lisboa decidiu não levar a julgamento o jornalista Estêvão Gago da Câmara, acusado pelo Ministério Público (MP) de atentar contra a honra e consideração de Ricardo Rodrigues, vice-presidente da bancada parlamentar do PS. A decisão confirmou sentença anterior do Tribunal de Ponta Delgada. A causa do descontentamento do vice-presidente da bancada socialista na AR foi a publicação de um artigo de opinião no jornal Açoriano Oriental, a 5 de Janeiro de 2005, em que Estevão Gago da Câmara associava Ricardo Rodrigues a um 'gang internacional', na sequência de um processo de burla qualificada e falsificação de documentos.

Antes — só para referir alguns momentos recentes — tivemos as declarações do Presidente do STJ, que gostaria de ver os jornalistas julgados por «órgão com poderes disciplinares efectivos, composto parietariamente por representantes das próprias classes profissionais e da estrutura política do Estado, de modo a obviar às sua partidarização ou ao seu corporativismo» e a fabulosa crónica de Pedro Marques Lopes que, incomodado com algumas opiniões inconvenientes — sobre José Sócrates, afirma JMT no DN, mas acredito que também sobre Pedro Passos Coelho — veio apresentar acusação contra incertos (que insiste em não identificar) e apelar ao zelo de quem opina.
Há vários aspectos dignos de nota nesta conjugação de eventos. Desde logo, anotemos que o Presidente do STJ não se satisfaz com a existência de tribunais, da ERC e de uma Comissão de Carteira Profissional de Jornalista. Quer mais. Quer mão mais dura e parcial. Quer os políticos a controlar o que se escreve.
Anotemos também que PML parece considerar insuficientes ou demasiado brandas as leis penais que temos, porque aparentemente permitiram a instalação de um far-west na opinião mediática. Não sabemos mais, porque PML não concretiza, apesar de instado a fazê-lo aqui e aqui.

Ou seja (e repito), creio não haver ainda razão para grande alarme, mas recomenda-se vigilância e cautela. Num momento histórico em que surgem claros indícios de interferência do governo na independência da comunicação social, há um coro cada vez mais forte a convocar o regresso de um admirável mundo velho.