Quando a minha filha nasceu, lembrei-me de David Bowie e do propulsor da nave espacial do Major Tom. Hoje, veio-me à cabeça uma outra história: em Se isto é um homem, Primo Levi descreve o cuidado das mães em alimentar os seus filhos e lavar-lhes a roupa durante a viagem de comboio para Auschwitz. Mães que, a caminho de um futuro sem um futuro, não hesitavam em cuidar dos filhos como se toda uma vida existisse à sua frente. E que me põem perante uma das mais importantes questões ontológicas: por que razão hei-de de mudar a fralda ao meu filho se daqui a duas horas o mundo acabar? Por nenhuma, responde-me a razão. No entanto, mudo-a. É assim a paternidade. Aproxima-nos e distingue-nos dos animais. De um lado, o instinto bestial; do outro, a capacidade de racionalizar esse instinto e perceber a imensa alegria que é poder agir em conformidade.