As eleições do PSD interessam ao CDS?

No essencial, há duas formas possíveis de o CDS olhar para o PSD: como o concorrente directo cujo eleitorado interessa ir conquistando ou como uma condição natural e (para já) necessária para chegar ao poder.

Nenhuma destas abordagens é absolutamente certa ou errada; e quem já tenha defendido a primeira não está de modo algum impedido de, em diferente contexto, defender a segunda. A bondade de cada uma depende sempre de uma análise caso a caso, que tenha em atenção as circunstâncias políticas do país, o objectivo imediato do partido na altura em que se propõe pô-la em prática e, claro, a existência ou não de um mínimo denominador comum com o PSD.

Como não pode deixar de ser, a forma de o CDS olhar para estas eleições do PSD depende muito de qual destas duas abordagens interessa seguir no futuro próximo: continuar a crescer à custa do PSD ou criar condições para uma aliança entre os dois partidos.

Porque na política privilegio a ideia de combate, inclino-me, naturalmente, para a primeira opção. Já tive oportunidade de dizer no CDS que o partido deve ir fazendo o seu caminho sozinho, pois apenas sozinho terá as condições ideais para propor aos eleitores um caminho diferente do que tem vindo a ser seguido nos últimos anos. 

Mas nem todos os tempos são tempos de falcão. Há alturas em que a luta política – que é sempre uma luta pelo poder, mesmo quando a estratégia usada põe de lado o acesso imediato aos centros a partir de onde este é exercido – tem que passar pelo compromisso. E esta, a meu ver, é uma delas.

Depois do resultado alcançado nas legislativas passadas, o CDS tornou-se incontornável para qualquer solução de governo alternativa ao PS e à esquerda. Nessa medida, quando chegar o momento de substituir o PS, o eleitorado dificilmente compreenderá que o CDS não faça o que estiver ao seu alcance para viabilizar tal alternativa. Goste-se ou não, os tempos vão obrigar a compromissos.

À luz desta grelha, Paulo Rangel é o melhor candidato. É o político com melhores condições para um entendimento pré ou pós eleitoral à direita. Tem categoria intelectual bastante para não sair diminuído ao lado de Paulo Portas e mais sólidos pontos de contacto ideológico e programático com o eleitor não socialista do que Pedro Passos Coelho. Até porque o pensamento de Passos Coelho é demasiado volátil, não se percebendo se assenta numa ideia de fundo para o país ou em emergências tácticas de ocasião. Para já não falar do facto de por entre os seus "ideólogos" estarem diversas figuras hostis a muito do eleitorado que vai ser necessário captar para voltar a ganhar eleições.

Mas Rangel traz também a promessa de ruptura. Uma ruptura que, para lá do carácter meramente retórico da expressão, se dirige a uma certa cultura política saída do 25 de Abril: dos infindáveis direitos adquiridos, tantos deles prejudiciais entre si; do Estado providencial, que, por a tudo e a todos querer acudir, acabará por deixar cair os mais fracos; da luta de classes e de culturas aplicada ao mais ínfimo aspecto da vida e do quotidiano; da Administração como prémio ou degrau de carreiras partidárias em vez de ofício para servir o país. Uma ruptura com uma mentalidade política que terá feito sentido no Portugal dos anos 80 mas que hoje, por ser obsoleta, é uma causa de estagnação. Uma ruptura com um modo de fazer política que continua presente em muitas das estruturas orgânicas do PSD (e do CDS), e que por isso é também uma ruptura interior.

Não espero revoluções e cada vez sou mais céptico quanto à capacidade de os governos de pequenos países, como Portugal, mudarem o que quer que seja. Mas acredito que, com pequenos passos, é possível, quanto mais não seja, melhorar o ambiente político. As pessoas, depois, encarregar-se-ão ou não do resto. A eleição de Paulo Rangel - a acontecer - será mais um passo neste caminho.

A corte


Alguém acaba de assumir novo cargo, é uma inundação de louvores em seu favor que sobe dos paços e capelas, ganha a escadaria, as salas, a galeria, todo o prédio: têm-se os ouvidos cheios; não se agüenta mais. Não há duas vozes diferentes sobre essa personagem; a inveja, a rivalidade, falam como a adulação: todos se deixam levar pela torrente que arrasta, que os força a dizer de um homem o que eles pensam ou o que não pensam, como louvar muitas vezes um sujeito que nem conhecem. O homem de inteligência, de mérito, ou de valor, se torna, num instante, um gênio de primeira ordem, um herói, um semideus. É tão prodigiosamente favorecido, em todas as pinturas que fazem dele, que parece disforme perto de seus retratos: é impossível para ele chegar jamais até onde a baixeza e a lisonja acabam de levá-lo; ele se envergonha da própria reputação. Mal começa a vacilar no cargo em que o tinham posto, todo mundo muda facilmente de opinião: se é completamente destituído, as geringonças que o tinham guindado tão alto, pelo aplauso e os elogios, ainda estão armadas para fazê-lo cair no último desprezo; quero dizer que não há quem o desdenhe mais, quem o censure mais amargamente, e quem diga mais mal dele, do que aqueles que estavam como que tomados pelo furor de dizer bem dele.

Governo Sombra de PPC


Primeiro-Ministro Sombra do governo sombra.

Governo Sombra de Passos Coelho


Ministro de Estado e da Administração Interna

O rei da comédia

Se o mundo fosse um lugar justo e o homem um bom selvagem, alguém já teria tido o cuidado de alertar este jovem para a trágica figura que anda a fazer. Mas este é um mundo cruel, em que até os mais chegados são incapazes de resistir ao perverso prazer de observar passivamente um dos seus a fazer chichi pelas pernas abaixo. À indigência sintáctica e gramatical da criatura, junta-se agora a tentativa de ter graça. Porém, mais do que falhado, o ensaio mete dó. Provoca aquele remoinho na barriga de vergonha do alheio, um alheio que sendo no fundo bem-intencionado (tragédia) acaba vítima da sua aterradora inabilidade (comédia). O Afonso Azevedo Neves faz lembrar o Rupert Pupkin (para os esquecidos: King of Comedy, Martin Scorsese, 1982). O mesmo excesso de voluntarismo, a mesma falta de jeito, provavelmente, o mesmo final feliz. Temo que, tal como no filme, nós é que sejamos os loucos.




Em 1895, às portas do tremendo século XX, Mahler apresenta a sua segunda sinfonia. Este primeiro andamento é talvez o último grande suspiro do romantismo. E um prólogo daquilo que a História haveria de trazer.

É um Eixo, de facto

Ouvi mais de uma vez Pedro Marques Lopes ser criticado por não assumir a sua militância na candidatura de Pedro Passos Coelho. Com toda a franqueza nunca me detive na crítica, porque assumi sempre que a premissa subjacente não podia ser verdadeira.
Sempre presumi que PML não fazia qualquer segredo do seu compromisso activo com PPC.
Mas ontem, para minha grande surpresa, ouvi PML renegar expressamente Passos no Eixo do Mal.
Não me surpreendeu o despudor de PML. Esse ângulo já ficou destapado inúmeras vezes na sua relação com José Sócrates e com o socratismo (o político e o mediático). Surpreendente foi PML estar convencido que engana alguém. O que impressiona é a ingenuidade e incapacidade de análise deste auto-proclamado analista.

O PML acha mesmo que consegue afirmar que não é “passista” (sic) numa mesa sem ninguém se rir ? Como é evidente, isso não aconteceu ontem.

Não está aqui em causa uma exigência de pluralismo. Seria absurdo pretender que nos inúmeros pequenos e grandes debates políticos que vão nascendo e morrendo em Portugal estivessem sempre representadas todas as tendências. PML não é jornalista. É um comentador e tem o direito de escolher lados. Tem o direito de comentar as acções de um candidato em cuja causa milita e de quem é conselheiro próximo. Mas tem a obrigação de assumir essa militância e de a revelar.
Não lhe é pedido muito, apenas o cumprimento da mais elementar das regras: transparência com o público. Até porque não mudaria nada. PML não passaria a ser visto como comentador de facção, porque esse rótulo já o acompanha.

Este episódio só serviu para mostrar aos ainda distraídos que transparência e lisura não são consumo para esta personagem.

Salvem-nos do Sr. Paulo Corte-Real

Luís Miguel Oliveira em grande forma

Currículos

Paulo Gorjão nem começa mal. Pode ser aborrecido e enganador discutir currículos. Conheço muito boa gente com grandes currículos profissionais e académicos que não dariam bons políticos, bons governantes ou bons primeiros-ministros. Nestas coisas prefiro ser negativo. Impressiona-me mais os sinais evidentes de falta de currículo do que os indícios de excelência.

Vejo no entanto que Gorjão, professor ao que sei de relações internacionais, está mal-informado sobre a carreira académica em direito. Se ele não se importar, alguns esclarecimentos. Primeiro: uma parte significativa dos académicos em direito nas universidades portuguesas conclui o doutoramento depois dos 35 anos. É uma tradição que está a mudar, que não existe lá fora, mas que ainda se mantém por cá. Aos 35 ou 36 anos, Paulo Rangel não tinha terminado o doutoramento tal como muitos outros da idade dele não o fizeram ou só o fizeram depois. E deixo outra informação: aos 35 ou 36 anos, Paulo Rangel já tinha escrito um livro importante (Repensar o poder judicial), além de vários estudos de direito constitucional de uma enorme qualidade, reconhecida aliás pelos seus pares.

Segundo: é provável que Rangel não tenha nenhum paper publicado em revistas internacionais com sistema de peer review. Mas se me derem 5 nomes de académicos portugueses em direito que publicaram em revistas internacionais com peer review, ficava agradecido. De facto: não temos muito essa tradição em Portugal.

A propósito de currículos, sugiro a leitura deste autor (via FNV): "Rangel é um jurista de primeira água, para mim o melhor da sua (minha) geração. Possui uma cultura vastíssima e é um orador nato. Não é por acaso, e muito menos por favor, que vai liderar a bancada do PSD no seu primeiro mandato como deputado. Quando os adeptos de Ferreira Leite falam em ‘credibilidade’, olho para os nomes que a acompanham e merecedor desse epíteto só vejo Rangel." Não consta que o currículo de qualidades jurídicas, culturais e coloquiais de Rangel tenha mudado. Mudaram algumas opiniões, é verdade. O Carlos Abreu Amorim, por exemplo, deu a volta ao sistema solar.

Estava lá mas escapou-me

Regressado de uma semana longe do país e com acesso muito rudimentar à internet, decidi comprar o Expresso. Lendo a crónica de Rui Ramos surpreendeu-me a referência: "um dos actuais concorrentes ao PSD sofreu uma revelação mística: só com o PS se podem fazer reformas".

A surpresa não foram as intenções "bloquistas" (de 'Bloco Central') de um dos candidatos a líder do PSD, porque nele em particular têm sido notórias, mas a sua declarada confissão em pleno período eleitoral interno. Achei que esse coelho só iria sair da cartola de... Coelho depois de estar bem instalado. Nunca acreditei que o pacto germano-soviético fosse confessado agora. Facto é que vi depois online o debate entre PPC e Rangel e lá estava a revelação.

"Paulo, eu estava lá", diz Passos, com o seu ar de galã de telenovela mexicana. E é verdade: estava. Está lá há 3 décadas, mas claramente tem percebido pouco. Escapou-lhe o papel que o PSD desempenhou sozinho em dois momentos históricos mesmo à frente do seu nariz de cera e pullover de gola em bico.

Não percebeu que, como muito bem diz Rui Ramos na mesma crónica: «O consenso que houver para aplicar um PEC não chegará para o resto, que hoje é tudo. Só uma maioria reformista poderá fazer reformas: haverá socialistas que, individualmente, poderão entrar nessa maioria; mas não o PS. Vai ser preciso ter pena de quem no PSD, querendo mudar, não perceber isso».

Não percebem nada de nada

Fazer do Óscar a Kathryn Bigelow um marco na luta feminista – como certa esquerda do tipo gaiola aberta anda a tentar fazer – é mais ou menos o mesmo que eu e as minhas barbas sairmos à rua a festejar uma vitória do velho Fidel.

Oscars

As minhas apostas para hoje. Ou melhor, uma vez que o jogo não é a dinheiro, os filmes do ano passado (ou que vi no ano passado) que gostaria que ganhassem em algumas categorias, sabendo que isso não irá acontecer, até porque alguns nem sequer foram nomeados:

BSO: Um Homem Singular/A Single Man
Fotografia: O Laço Branco/Das Weisse Band, Um Homem Singular/A Single Man
Argumento: Inglourious BasterdsO Laço Branco/Das Weisse Band, Estado de Guerra/Hurt Locker
Actor: Clint Estwood (Gran Torino), Joaquim Phoenix (Duplo Amor/Two Lovers), Colin Firth (Homem Singular/A Single Man)
Actor secundário: Christoph Waltz (Inglourious Basterds)
Realização: Kathryn Bigelow (Estado de Guerra/Hurt Locker), Tarantino
Filme: Estado de Guerra/Hurt Locker, Inglourious Basterds

Para lá do bom e do mau

Meu Amigo, 2001 está para o cinema como Parsifal está para a ópera: não se aprecia ou deixa de apreciar, impõe-se-nos de maneira absoluta, sem que fique nada de pé à sua volta. Pelo menos durante umas horas. E tu, que és Ricardo tal como Richard Wagner, certamente que o sabes.

A guerra é um lugar estranho














Duas cenas bastariam para fazer de The Hurt Locker um grande filme (o melhor, juntamente com In The Valley of Elah, sobre a guerra do Iraque): aquela em que Jeremy Renner, a personagem principal, caminha dentro de um enorme fato à prova de bomba acompanhado apenas pelo sopro tenso da sua respiração, e que remete, intencionalmente ou não, para 2001 e para a solidão do astronauta perante a infinitude do espaço (Jupiter and beyond the infinite); e uma outra em que três soldados americanos, após eliminarem os inimigos um a um durante uma emboscada no deserto, se mantêm estoicamente inertes ao longo de horas nas suas posições de defesa para assegurar que nenhuma nova surpresa aconteça.

O protocolo militar ensina que a prioridade quando se é apanhado numa emboscada é sobreviver ("live to fight another day"). Na generalidade dos casos, esse objectivo consegue-se abandonando de imediato a zona de fogo. Mas há situações em que, por tal ser de todo impossível, se torna necessário encontrar o lugar menos vulnerável dentro da zona fatal e, por maior que seja o desconforto, aí aguentar em vigília até que o tempo traga novas indicações. É aqui que reside o ponto forte de Hurt Locker: na eficácia com que faz passar certas ideias paradoxais associadas à guerra, como esta, de um lugar insuportavelmente desconfortável que é ao mesmo tempo o único lugar de resguardo possível.

[Spoiler]

No fim, Renner regressa a casa e apercebe-se que a única coisa que lhe interessa na vida, não é nem a segurança, nem a mulher, nem sequer ver o filho crescer, mas continuar a desarmantelar bombas na guerra. Na do Iraque ou em qualquer outra. E isso, contado como o filme conta, sem juízos de valor à mistura, tem uma grande pinta.