Um problema de formação: na JSD o inimigo é sempre interno

«A menos que tivesse participado no conluio para despachar Manuela Moura Guedes, é irrelevante a informação de que a dra. Ferreira Leite conheceu mais cedo ou mais tarde o negócio da PT/TVI, não é? Pedro Passos Coelho acha que não e surgiu logo a lamentar o papel (?) da senhora no processo. A menos que tivesse sido a principal responsável pela actual situação económica, é pertinente a comparação que a dra. Ferreira Leite fez entre Portugal e a Grécia, não é? Pedro Passos Coelho acha que não e surgiu logo a explicar que os países não são comparáveis.

Engraçado. O dr. Passos Coelho, que se diz do PSD e até concorre à respectiva presidência, é rápido como Usain Bolt a criticar a dra. Ferreira leite e omisso como um repolho a tecer qualquer reparo ao eng. Sócrates. Na cabeça da jovem esperança social-democrata, o grave não é o eng. Sócrates usar empresas públicas para manipular os media ou a inépcia própria para afundar a economia: gravíssimo é que a dra. Ferreira Leite o saiba ou diga.

Uma boutade célebre ensinava que os adversários se sentam nas bancadas dos restantes partidos e os inimigos na nossa. Temo que o dr. Passos Coelho tenha levado o ensinamento longe demais: para ele, os adversários e os inimigos estão todos na sua bancada. Ao PS, que por acaso é Governo, o dr. Passos Coelho apenas dedica simpatia. Não é à toa que, dos lados do PS, a simpatia é constantemente retribuída. Mas só à toa o PSD elegerá o simpático Pedro para líder: o Mudar do seu programático livrinho refere-se evidentemente à dra. Ferreira Leite e não ao eng. Sócrates, o qual, aliás, nem por uma vez é aí citado.

Depois de tentar controlar a informação, o que apesar de tudo causa algum alvoroço, o PS tenta subjugar a oposição, o que pelos vistos pode ser facílimo. A oposição, leia-se o PSD, o dirá.»

Alberto Gonçalves, no DN

and so the story goes

1914

Em mais um momento extraordinário de O Laço Branco, o barão, após uma discussão com a sua mulher em que esta lhe comunica que vai abandoná-lo para viver com outro em Itália, recebe a notícia de que o arquiduque Franz Ferdinand havia sido assassinado em Sarajevo. De repente, os acontecimentos paroquiais do filme ganham profundidade e contexto históricos. Numa fracção de segundo, emerge a grandeza histórica da Europa, também ela feita de histórias paroquiais, histórias de alcova, guerras familiares, crimes e escapadelas.

Educação sentimental

O último filme de Michel Haneke (O Laço Branco/Das weisse Band) passa-se numa remota aldeia do norte da Alemanha e conta a história de um grupo de crianças suspeitas (capazes?) de uma série de crimes e atrocidades. Porém, na sua cena mais cruel, o protagonista é outro: o médico que, no final de uma visista mal sucedida, se despede da sua amante dizendo-lhe o quanto ela o repugna e acusando-a, de caminho, de ser asquerosa, lassa, desmazelada e ter mau hálito. É Haneke a citar Bergman a citar Strindberg. Até que, a dada altura durante a conversa, quando questionado pela amante sobre as razões para continuar a procurar aquele ser tão desprezível que se ajoelha perante ele, o médico dá esta resposta brutal: "Quando estamos muito doentes tornamo-nos sentimentais". As crianças serão já um lobo do homem, mas há certos requintes que só chegam com a maturidade.

Extinção das Golden Shares e Regulação

O João Miranda (e o André Azevedo Alves, na sua senda) interpretou mal as palavras de Paulo Rangel sobre o papel que atribuiria à regulação para compensar a extinção das golden shares.O equívoco nasce claramente do ponto de partida do João Miranda, que assumiu (sem apoio literal) que Rangel vê as golden shares como um instrumento de bloquio da «entrada de estrangeiros (subvertendo o mercado), para promover negócios de Estado (Galp na Venezuela, no Brasil e em Angola) ou para promover investimento português no estrangeiro (participação na Vivo pela PT no Brasil e investimentos da EDP nos Estados Unidos)».
A verdade, porém, é que, ao contrário do que afirma João Miranda, Rangel não fez qualquer referência a esse tipo de actuação do Estado através das golden shares. Muito menos a aceitou. Não se percebe de onde retirou o João Miranda aquela ideia. O que é certo é que não se fundou em nenhuma declaração de Paulo Rangel. Até porque um regime regulatório que procurasse bloquear a entrada estrangeiros (da UE) seria incompatível com o direito comunitário.
Quando afirma (preliminarmente, relembro) que é desejável que a regulação cumpra a missão actualmente desempenhada pelas golden shares, Rangel pensa certamente nas funções «legítimas e lícitas» que lhes são correntemente atribuídas: (i) evitar rupturas de mercado em certos sectores estratégicos com um número de operadores limitado (fornecimento de energia eléctrica; aeroportos, gestão de linhas de caminho de ferro); (ii) assegurar a concorrência e (iii) a protecção dos consumidores ou, ainda, (iv) a manutenção de reservas estratégicas de certos bens (ex: combustíveis).

Boa parte destes objectivos são cumpridos pela tutela da concorrência nas suas diversas dimensões (que é uma actividade de regulação, note-se), contudo, não se esgotam aí as áreas em que o mercado exige correcção.
Recorde-se, aliás, que o argumento substantivo invocado pela República Portuguesa para sustentar a manutenção das golden shares na PT no seu contencioso com a UE é a salvaguarda para o Estado da «disponibilidade da rede de telecomunicações, que desempenha um papel essencial, designadamente, em situações de crise, de guerra ou de terrorismo».

O que Rangel parece propor é que o Estado extinga as golden shares e passe a assegurar parte das funções desempenhadas pelas mesmas através de entidades reguladoras, com clareza e transparência e evitando os desvios de poder que são uma prática recorrente e cada vez mais conhecida.

Um liberal puro talvez discorde de toda e qualquer fórmula de regulação, mesmo a que se reduza a evitar rupturas de mercado, a assegurar a concorrência e defesa dos consumidores. Um liberal puro pode achar que o livre funcionamento do mercado resolve todos estes problemas ou que nenhum destes aspectos merece preocupação e discordar de Rangel por não renunciar também a esse nível mínimo de intervenção. Mas essa discordância ideológica não legitima uma deturpação do que foi dito. João Miranda pode discordar, mas não pode adulterar as declarações de Paulo Rangel ao DN, imputando-lhe a intenção de se servir de autoridades reguladoras para subverter o mercado impedindo a entrada de empresas estrangeiras e impondo às empresas nacionais comportamentos no estrangeiro que favoreçam os "interesses nacionais".

Gostava, aliás, de saber como se faria isso de impor às empresas nacionais comportamentos no estrangeiro que favoreçam os "interesses nacionais" ?


Le monde soumet toute entreprise à une alternative; celle de la réussite ou de l'échec, de la victoire ou de la défaite. Je proteste d'une autre logique : je suis à la fois et contradictoirement heureux et malheureux.

[Roland Barthes, Fragmentos de Um Discurso Amoroso,1977 ]

A Polónia foi invadida, à tarde fui nadar

Diz o Sol desta semana que estive no lançamento do livro de Mário Crespo. Gostva de dizer que é falso, não fui a lançamento nenhum, não tinha provlema em ir ou não ir mas, na verdade, não fui.

Aproveito para botar a minha assinatura em baixo do post que o Duarte Lino escreveu aqui. Não tenho simpatia pela deriva socrática do João Galamba, não me parece meritório que tivesse feito um blog de apoio oficioso ao PS sem o assumir com clareza (nomeadamente, o facto de ter sido uma espécie de pivô da informação governamenral), deixando algumas pessoas que lá colaboraram com independência na obrigação de justificar que escreveram sem obedecer a agendas partidárias (no Pulo do Lobo, que coordenei, isso não aconteceu, nem eu deixaria que acontecesse). Dito isto, acho uma ignomínia a notícia do Correio da Manhã da semana passada sobre os ajustes directos. Não vejo ali qualquer interesse jornalístico . O governo contratou Galamba para trabalhar com motivo legítimo? Não vejo problema. E é deplorável a forma como foi redigida e apresentada, sem qualquer ângulo plausível que comprometesse o deputado. Pelo meio, ainda expuseram detalhes da vida privada de João Glaamba, com insinuações baratas e absurdas.

Defendo uma imprensa "robusta" no escrutínio da actividade política, em nome do interesse público e da formação da opinião pública. Mas no estado em que anda a política e a justiça, é bom que os jornais sejam escrupulosos e responsáveis no respeito pelo interesse público do seu direito a informar, se não quiserem ser atingidos pela mesma borrasca de desconfiança que mina os outros poderes.

Passam-se coisas suspeitas, mas não somos todos suspeitos

O que o Correio da Manhã publicou ontem sobre o João Galamba não é obviamente jornalismo e merece ser condenado sem reservas.

Esclareço que não conheço o João Galamba senão da leitura ocasional de algumas coisas que vai escrevendo, com as quais discordo quase em absoluto.

Feita a declaração de interesses, insisto: a notícia não tinha as mínimas condições para ser publicada como, aliás, sucedera já uns dias antes com uma outra sobre um patrocínio angariado pela Inês de Medeiros.

Se o Correio da Manhã tinha suspeitas, fez bem em investigar. Mas se no fim a hipótese que prefigurou (ou que lhe foi vendida) não se confirmou, nada restava senão enfiar a viola no saco e partir para outra.

Neste caso, o visado apresentou uma explicação perfeitamente plausível para as adjudicações directas. Não podia nunca o CM ter seguido em frente e publicar aquele texto perpassado de ponta a ponta por uma insinuação genérica e sustentado numa especulação risível sobre a inconsistência da justificação apresentada.
Como esta incompetência lesiva ou leviandade criminosa, o Correio da Manhã só conseguiu descredibilizar-se e permitir que tudo seja misturado. Só contribuiu para tornar tudo mais insalubre e enfraquecer qualquer luz que pudesse brilhar no fim deste túnel de infeliz confusão em que vivemos.

Missão Cumprida

O que pretende o Pedro Adão e Silva demonstrar com este post ?

Que os actos pontuais de censura do passado ilegitimam qualquer reacção contra o plano de condicionamento dos media denunciado nestes dias ?

Ou será que pretende demonstrar que a indignação furiosa que sentiu no passado e registou para a posteridade naquela crónica vetada pela Capital é substituída por uma indiferença militante quando o condicionamento dos media parte do PS ? Se o objectivo é esse, o post foi um sucesso.

O Pedro Adão e Silva agarrou-se a uma granada. Agora há-de vir alguém tirar a cavilha.

Rangel contra 3

Não, não apareceu mais um candidato a líder do PSD. Mas a atitude hostil do PS contra Paulo Rangel, se já era evidente, passou a assumida.
Reparem: o PS reuniu ontem o seu órgão máximo (o Secretariado Nacional) para discutir os dois temas que preocupam os socialistas por estes dias:

Tema 1:

Tema 2:

Suponho que toda esta activa preocupação do PS sejam boas notícias para os militantes do PSD e imagino que a inconfidência do deputado Duarte Cordeiro tenha sido repreendida com dureza.

2006 redux

Tudo se encaminha para que as presidenciais do próximo ano sejam um remake da eleição de 2006. Só que, desta vez, com Alegre a fazer de Soares e o dr. Nobre da AMI no papel de Alegre (a "sociedade civil" contra os partidos). Cavaco, esse, voltará a fazer de si próprio e arrumará com a coisa à primeira volta.

Sobre os Abrantes e os Magalhães

Em relação ao que hoje é publicado no Correio da Manhã sobre parte da blogosfera socrática, o Daniel Oliveira coloca a questão nos exactos termos em que deve ser colocada: o relevo da história está na confirmação do recurso ao anonimato por pessoas ligadas ao governo, no Câmara Corporativa, para insultar e caluniar adversários em termos que os autores claramente não fariam assumindo a sua identidade real.
O resto do que consta da notícia do Correio da Manhã podia ter ficado na gaveta.

Uma descrição curiosa


Será que o João Marcelino acredita mesmo que pode escrever estas coisas sem que alguém repare ?

O problema não é a estupidez

A Ana Matos Pires diz que sobrestimo Sócrates ou passo um atestado de estupidez a uma "pipa de gente" quando afirmo que a Face Oculta levou muitas pessoas que não costumam dar para esse peditório a acreditar em teorias de conspiração.

E pergunto à Ana: a quem é que passei um atestado de estupidez ? Aos que continuam seguros de nada de grave ou sequer reprovável se ter passado sob a orientação (ou, no mínimo, com o conhecimento de Sócrates) ? Até se pode compreender a subsistência de algumas dúvidas sobre o sucedido; há passagens da história que talvez possam ser clarificadas. Mas é incompreensível a fé inabalável e sem hesitações na absoluta inocência do primeiro-ministro e na falsidade de todas as informações divulgadas.
Não sei o nome do problema, mas estupidez não será. Talvez seja fanatismo. Parece-me, no entanto, que se a motivação for aceitável não será racional e se for racional não será aceitável.

Repara que até já a Clara Ferreira Alves comprou a teoria da conspiração. Chegados a este ponto, está tudo dito.

Morte em Viena



Último movimento (allegro ma non troppo) da última sonata para piano de Schubert (D960), escrita no Outono de 1828, já muito perto da sua morte. Sete minutos e meio de indecisão entre notas sérias (dramáticas, por vezes) e passagens de um lirismo radical.

Depois da histeria, a demência

Aqui, na suruba socrática do costume.
Segundo o grupo coral Miguel Abrantes, este post do Eduardo terá sido censurado pelo Pedro...

Aterremos

O legado que José Sócrates deixa no país será obviamente terrível. Grande parte dos danos com que viveremos bastante tempo é fácil de prever. Mas já se sente outro efeito, talvez menos evidente, mas igualmente nefasto.
Ao deixar extremar tanto a luta, ao arrastar para o lamaçal político tantas instituições do Estado que deviam permanecer acima desse plano e ao resistir tão teimosamente à sua inevitável queda, o primeiro-ministro tem igualmente levado alguns dos seus opositores a perder o sentido das proporções.

A qualificação da propositura de uma providência cautelar como acto de censura é um disparate manifesto que só foi possível ver sustentado ontem e hoje por tantos neste clima de paranóia incandescente criado por José Sócrates.

Assim como o infeliz caso Mário Crespo (agora uma espécie de Leónidas) que em condições normais não teria o tratamento desproporcionado que teve. É claro que um primeiro-ministro num contexto semi-privado pode criticar um jornalista; é claro que quem sinta um seu direito potencialmente ofendido por uma publicação pode propor uma providência cautelar para impedir a respectiva divulgação; é claro que um governante pode criticar jornalistas em entrevistas ou discursos (talvez não seja politicamente hábil, mas isso são outras considerações); é claro, por fim, que um governante pode processar um jornalista que considere ter agido ilicitamente.

Mas também é claro que sabemos que este primeiro-ministro, tendo feito coisas que seriam relativamente indiferentes noutras circunstâncias, cometeu actos gravíssimos de controlo e manipulação da comunicação social. Este primeiro-ministro obrigou os habitualmente sensatos e cépticos a acreditar em teorias de conspiração.

Precisamos que estes últimos actos não fiquem em claro; precisamos que o bom-senso regresse para que os primeiros não sejam vistos como mais do que são. Precisamos, em suma, daquilo que mais nos tem faltado: normalidade.

A extensão do domínio da luta

O risco de transformar a luta política numa guerra sem quartel entre "nós" e os "outros" é o de perder-se o sentido dessa luta. Pior: não perdendo o sentido da luta, perder o controlo sobre a extensão do seu domínio.

Ontem, por exemplo, a propósito da providência cautelar contra o jornal Sol, foram feitas afirmações ignorantes e afirmações irresponsáveis. M. Moura Guedes - cujas palavras, dada a sua circunstância, têm um relativo interesse mediático - disse que a providência era a "oficialização da censura". O representante de um partido político considerou-a um "precedente preocupante". E um dirigente de uma associação de juizes, por seu lado, disse tratar-se de uma forma de pressão inaceitável.

Não nego que o cheiro a napalm logo pela manhã me agrade. No entanto, se a luta política é feita em nome de valores como a liberdade de expressão e a decência, este é um péssimo e perigoso caminho. Na relação entre direitos, eu diria que o de falar livremente pressupõe o de interpor providências cautelares, incluindo providências cautelares para impedir a publicação de notícias (só há liberdade com imputabilidade).

Por estes dias, importa não dispersar e manter cabeça fria. Evitar dar cobertura a dislates de personagens circunstanciais, mitigar os danos colaterais de certos voluntarismos, impedir a subversão da luta e a extensão do seu domínio. Para que tudo isto, no futuro, não nos rebente na cara.

Tentar distinguir

Cabeça fria, como tem pedido o Filipe. Não é fácil, mas tem de ser feito. Este primeiro-ministro perigoso, mais a sua camarilha mais próxima, em quem ninguém mais confia, são um capítulo que se está a fechar. Mas este governo tem muita gente competente e digna. Tem muita gente que conheço pessoalmente, nos ministérios, na Adminstração, pessoas de uma enorme qualidade. Foi um bom governo pelo menos durante os primeiros dois anos. Perdeu-se, sim, pelas razões conhecidas. O poder é dramático e, quando pensamos que podemos fazer tudo com ele, rebenta-nos fatalmente nas mãos. Não transformemos os dias de hoje numa caça às bruxas, não idolatremos os nossos (quem são os "nossos"?), não demonizemos os políticos ou os magistrados, nem endeusemos os jornalistas, que também escorregam muitas vezes. Nada de esticar a corda com um ambiente de "guerra civil" que torne o ar ainda mais irrespirável. Uma "providência cautelar" não é um acto de censura. As pressões, que fazem parte da relação conflitual que existe entre poderes, não atentam forçosamente contra a liberdade de imprensa. Magnanimidade, mesmo com quem nos tem ofendido. Não é tempo de confundir mas de tentar ver com clareza e distanciamento, para percebermos como é que podemos evitar muitos dos atropelos que têm ocorrido nestes tempos mais recentes. Tentar distinguir é um dever permanente.

(Este post responde também ao Eduardo, que só li agora, depois de o ter escrito, e de quem também sou leitor. Não, Eduardo, não existe nenhuma intolerância da minha parte. Nunca houve. Intransigência, sim, mas é outra coisa. E fecho este assunto).

Se eu fosse histérico, seria caso para dizer "j'accuse"

Já agora, uma vez que o tema é recorrentemente levantado nos blogues do "Eixo do Mal", aproveito para esclarecer algumas "falsidades" em que gente manifestamente "séria" tem sido pródiga. Pior: gente que se permite retirar conclusões de factos que não conhece, o que é sem dúvida original. Nunca abordei este problema em público, mas digo agora três coisas.

Escrevi vários artigos no diário económico atacando a "claustrofobia democrática" (podem ler, por exemplo, aquilo que escrevi, por exemplo, no próprio diário económico, antes das eleições, quando a Manuela Moura Guedes saiu da TVI). Comecei a escrever em 2008 no diário económico (a convite do anterior director, André Macedo), acumulando com um diário nacional (primeiro o diário de notícias, depois o i). Nunca avisei, nem precisava de avisar, nenhuma destas mudanças e posso dizer que até fui expressamente autorizado a fazer essa acumulação por um dos sub-directores do próprio diário económico. Ao contrário da informação que puseram a circular, não precisava de avisar o diário económico de que iria começar a escrever no Público, se isso nunca me foi exigido na anterior mudança do diário de notícias para o i, nem faria sentido que fosse exigido (a não ser talvez por cortesia) a um colunista meramente quinzenal que nunca contratou qualquer exclusividade. Aliás, se tivesse sido esse o motivo de terem "descontinuado" (no belo eufemismo da Fernanda Câncio) a minha coluna, o normal seria que me tivessem informado disso mesmo, que tivesse sido essa a explicação. Não o fizeram e nunca responderam ao meu email a pedir explicações.

Outro aspecto que aproveito para ressaltar é que me custa um bocado ter de lembrar a jornalistas alguns princípios básicos: a separação entre os grupos económicos e os órgãos de comunicação social e a autonomia dos seus colaboradores até vem na Constituição. Eu sei que esse princípio está a ser brutalmente desrespeitado por esse grande regime de liberdade que é o socratismo, mas não consigo ver como é que gente pretensamente de esquerda e que até trabalha na comunicação social, não lhe dá importância. Se me explicarem onde é que eu critiquei o diário económico, eu agradecia. Na verdade nunca critiquei nem o diário económico, nem nenhum dos seus directores ou jornalistas. Quanto à Ongoing, critiquei de facto no meu texto de 12 de Novembro no Público: parece que saíram umas notícias sobre escutas no início de Novembro, alguns dias antes de eu ter escrito o meu primeiro artigo, que começaram a tornar patente muita coisa. Aliás, com tudo aquilo que começamos a saber, acho que escrevi pouco.

Num daqueles gestos de portentosa honestidade a que nos tem habituado, creio que a Fernanda Câncio relaciona a minha saída com um post que escrevi aqui sobre a maravilhosa entrevista que o director do diário económico fez ao Figo no Verão do ano passado. Esse post não teve nada a ver como que se passou. Foi escrito posteriormente ao meu afastamento do diário económico, escrito no próprio dia em que o Correio da Manhã publicou uma notícia sobre a participação do Figo na pré-campanha eleitoral do PS. A relação entre uma coisa e outra é mais uma das falsidades que a Fernanda Câncio deu como certas. Cheguei a pensar na nossa troca de palavras numa caixa de comentários que o fez de boa-fé. Hoje, estou mais céptico.

Por razões óbvias, nunca me fiz de herói do que quer que seja. Nunca me perseguiram e nunca me condicionaram. Só não gostaram de uma coisa que escrevi e atiraram-me para rua. Precisamente por isso, quem sabia muito pouco sobre as circunstâncias em que a minha saída do diário económico se processou, mas ainda assim comentou o assunto com ligeireza, alimentando o que ouviram ou que lhe contaram, andou a pregar uma filha-da-putice e a propagar uma mentira. Deixo uma sugestão: não se abandalhem, nem abandalhem a inteligência dos outros. Até ao fim, mantenham a calma. A Fernanda Câncio está em denial. Vê o mundozinho dela em que podia e pôde fazer e desfazer personalidades pública a ruir, com estrondo e lodo. Arriscou a reputação na cobertura de um primeiro-ministro sinistro e desespera com a desonra e ostracismo que se aproxima. Infelizmente já ninguém a pode salvar.

Dúvida

Eu não conheço o Francisco Almeida Leite. Sei que é jornalista do DN e já li coisas dele e sobre ele.

Neste post relata parte do que viu ontem no lançamento da candidatura de Paulo Rangel e pergunto-me: estava lá na qualidade de apoiante de Rangel ou de jornalista do DN que acompanha a vida do PSD ?
Suponho que assistia na qualidade de jornalista. Não acredito na objectividade absoluta de nenhum ser humano e por isso não creio que seja exigível aos jornalistas. Mas também me parece óbvio que existem limites. Há um mínimo de distanciamento a assegurar e o apoio activo do jornalista que acompanha o PSD no DN a um dos candidatos em disputa ficaria claramente para além do aceitável.

Ou será que não ?

Coisas simples e trágicas

Andam muito nervosas a Fernanda e a Isabel. O toque de finados do regime que a têm dado cobertura já se está a ouvir e, naturalmente, o fanatismo e a falta de maneiras apertam. Falei da falta de "autonomia" da maioria dos membros do Jugular no sentido político porque é de política que estamos a falar, não das vossas vidas profissionais que em muitos casos nem sequer conheço. Falei de "autonomia" por razões óbvias: colaram-se tão excessiva e cegamente a este governo e aos seus métodos de grande "decência", ignoraram e continuaram factos escancarados, que, de facto, não vejo como é que agora podem recuar sem fazerem um enorme esforço de auto-crítica. Ficava-lhes bem, mas não o fazem. Autonomia, independência, é isto. Ou temos, ou não temos. A vossa reacção, sobretudo a da Fernanda, deixa-me completamente esclarecido. É uma reacção histérica semelhante à que teve Emídio Rangel ontem na RTP. Eu percebo: isto está tudo a cair, custa ver que andámos enganados e que, se calhar, até fomos enganados. Escusam é gritar agora tanto porque ninguém vos vai ouvir.

As nossas carreiras profissionais não são para aqui chamadas, nem eu alguma vez as invoquei. Fernanda, pergunta a uma jornalista qualquer do Sol, quando uma vez fizeram um perfil sobre ti, a opinião que lhes dei. Quando o PSD te atacou a propósito da RTP, intervim na tua defesa e fá-lo-ia hoje exactamente da mesma maneira. Em matéria de dignidade pessoal e profissional, ficamos conversados. Hoje já vi que desististe de argumentar e adoptaste um tom de insulto pessoal que é perfeitamente esclarecedor sobre a tua educação algo volátil. Como é óbvio, não tens rigorosamente nada para me ensinar em nenhum destes aspectos ou em quaisquer outros. E quanto ao teu aviso de que já não vais a tempo de rectificar a tua opinião sobre mim, se há opinião que deixei de respeitar já há algum tempo é a tua. Coisas simples, como eu dizia.

Ferreira Fernandes sobre Rangel

É certo que, ainda há três meses, ele disse que sendo eurodeputado acabaria o mandato e não se candidatava à liderança do PSD. Mas isso não interessa nada: o mundo está cheio de grandes políticos que roeram a corda. Aliás, os grandes foram- -no porque roeram a corda. Quem quiser bater em Rangel por causa dessa contradição mais do que perde tempo, revela impotência. Arrumado isto, Paulo Rangel, à luz de ontem, merece que lhe prestem atenção. Apresentou-se como "solitário", diz que não passou por encontros prévios nem almoços, daí tudo começar "aqui e agora", e falou para lá dos partidos, para os portugueses. Sublinhou o irresistível apelo nacional, como todos os homens providenciais (e os pretendidos a tal) nunca se esquecem de dizer. Se queria falar diferente, conseguiu-o - sobretudo nesse partido esgotado por clãs que é o PSD. Rangel soube, ainda, descobrir a palavra: ruptura. Se eu estivesse menos atento, ontem, teria contado as vezes que "ruptura" foi dita. Mas sei que foi dita as vezes para marcar. Dito isto, os prognósticos: ou ele consegue, ou não consegue. Se não consegue, é mais um. Se consegue: ou é, enfim, um bom, ou é um muito mau, muito. Esta última hipótese ponho-a exclusivamente por causa de ontem. Mas o quê, exactamente? Está escrito nesta pequena crónica.

Já se começa a notar


Crónicas de enjoo

Este artigo da dra. Constança Cunha e Sá, que tanto aplauso recebeu nos blogues do "Eixo do Mal", é completamente irrelevante para o que está em discussão. O caso Crespo, em que de resto também manifestei dúvidas pelo facto de o jornalista da SIC não ter sustentado bem a sua crónica, já faz parte da pré-História. Não é isso que está em cima da mesa. Com os indícios de que a TVI pode ter sido tomada de "assalto", Crespo não interessa para nada. Juridicamente, também é um artigo errado. Só mais faltava que o próprio ofendido não pudesse reagir em público, numa crónica, contra alguém que o ameaçou mesmo numa conversa particular. Não gosto de bufos, mas também não gosto de gente que não se sente. De qualquer maneira, como é fácil perceber, a separação entre aquilo que é público ou privado não depende necessariamente do local. Outra nota deste artigo refere os"Mários Crespos que por aí pululam" e o "ambiente de histeria". Claro que é só uma nota de estilo. A dra. Constança Cunha e Sá pertence a uma escola displicente da crónica portuguesa: o jornalismo que vive em permanente enjoo com o mundo. Neste texto, só tem razão no seguinte: este governo só não cai porque não há alternativa. É preciso por isso que o PSD se resolva.

Coisas simples

Que o Jugular não se junte à manifestação, eu compreendo. A maioria dos seus elementos não tem autonomia. Que os membros do Arrastão se deixem ir na cantiga, porque "não falamos todos da mesma liberdade", é mais estranho. Pois não: seguramente temos ideias diferentes sobre a liberdade e sobre as liberdades. Mas esta manifestação não é um concurso de liberdades. É um protesto por uma imprensa livre do controlo político e por um ambiente público respirável onde as nossas ideias se formem em liberdade; e é pelo esclarecimento das suspeitas que se avolumam sobre a actuação directa do primeiro-ministro em controlar a liberdade de informação.

Estes princípios não são de esquerda, nem de direita. São anteriores a tudo isso. Se vamos discutir o conceito de cada um sobre a liberdade de imprensa, nunca mais saímos daí e não se faz nada. Quem põe as convicções acima do tacticismo, tem de estar presente. Há uma esquerda radical que só se consegue juntar à direita nas causas que lidera (como aconteceu, por exemplo, no aborto). É preciso denunciar um primeiro-ministro que parece abusar sistematicamente do poder do Estado para uso próprio, no controlo de órgãos de informação privados. Tão simples quanto isso.

Distribuir

Henrique, podemos falar dessa e de outras questões constitucionais. Para já, sugiro que comecemos por este post curto de Menezes Leitão e pela página 767 da constituição anotada de Gomes Canotilho e Vital Moreira (na 3ª edição). Podemos até criar um dossier e distribuir por aí.

(Notinha: Em abstracto, as coisas são assim; em concreto, há mais mundo no direito e na política do que no reino dos céus, Horácio.)

Todos pela histeria

O Tiago Mendes de volta, um grego entre romanos, e a dizer o que é preciso.

Bibliografia aconselhada para os tempos que correm (da esquerda e da direita)


A "democracia" dirigida à moda de Sócrates e dos seus amigos






















Obrigações de responsabilidade política a que está sujeito um primeiro-ministro, mesmo não tendo sido sujeito a qualquer inquérito de tipo criminal






















Liberdade de imprensa como valor instrumental para a garantia e realização do Estado de Direito

No passa nada


Como não há nada de relevante a acontecer nesta terra desde sexta-feira passada, o fanzine número um de José Sócrates ficou entregue à pitoresca Palmira F. Silva com os seus posts sobre "poeira das estrelas" e a deliciosa série “esta gente passa-se” (big time!, big, big time!!!, real big time!, big time really!! ...) sobre exorcismos, estudantes de Valparaíso, homofobias várias e demais curiosidades do novo mundo.

O método da guerra (cultural) II


O que terá levado o neo-especialista em direito constitucional Eduardo Pitta (hoje em dia é difícil discutir política sem correr o risco de nos cair um constitucionalista em cima) a ilustrar um post sobre o Crespogate com uma fotografia do dito Crespo e Kaúlza de Arriaga, acompanhada da seguinte legenda: Mário Crespo ao lado do general Kaúlza de Arriaga, de quem era adjunto, pouco antes dos massacres de Wyriamu, em 1972 ?

Será que quem foi adjunto e se sentou "ao lado do general Kaúlza de Arriaga", em 1972, “pouco antes dos massacres de Wyriamu”, não tem estatuto moral para criticar o nosso querido PM? E se esse acto de "sentar-se ao lado de" tivesse sido em 1960, ainda antes de ser adjunto e longe dos massacres de Wyriamu, também não tinha? Ou se porventura tivesse acontecido a Mário Crespo ter estado à frente do general Kaulza, em vez de ao lado, não antes mas após os massacres de Wyriamu? Talvez seja mais grave e Mário Crespo deva ser julgado por cumplicidade em crimes contra a humanidade? Ou será que uma coisa (Crespogate) não tem nada a ver com a outra (massacres) e tudo não passa de um apontamento histórico do generoso Eduardo?

Não vale invocar a constituição na resposta.

Sim e não

Este artigo do Filipe merece comentários. Desde logo porque é o Filipe e eu sigo tudo o que ele escreve com máxima atenção. Depois, para lhe dizer, em primeiro lugar, que estou de acordo que é preciso manter a cabeça frio neste momento. É sempre preciso manter a cabeça fria, sobretudo em tempos de escândalo. Estou ainda de acordo que outros governos manipularam e tentaram manipular a comunicação social em medida próxima à de Sócrates (mas não com o mesmo alcance e penetração). A RTP foi sempre governamentalizada (pelo PS e PSD), o DN mostrou sempre historicamente proximidade ao poder e o cavaquismo não está certamente inocente de intentos controleiros (foram muitos e eu também me lembro). Terceiro ponto de concordância: não comparemos o que se passou à censura do tempo da ditadura e a quem sofreu bem na pele, com custos físicos, afrontas à sua liberdade de expressão.

Dito isto, eis as minhas profundas discordâncias com o texto do Filipe: i) a manipulação, tal como parece ter existido, não foi obra sobretudo de "arrivistas", mas resultou (e teremos provavelmente a confirmação disso mesmo nos próximos tempos) de um plano idealizado e executado por vontade do próprio primeiro-ministro José Sócrates; ii) não é preciso esclarecer que ainda vivemos, apesar de tudo, em democracia, mas podemos e devemos dizer que tudo isto representou, de facto, uma iniciativa para manipular e restringir a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão num país que foi a eleições em 2009 (aliás, parece-me contraditório dizer-se que "as últimas eleições foram viciadas" e que a liberdade de expressão não é para aqui chamada); iii) eis o que é novo, grave e perturbador neste contexto: a criação de uma teia que unia o poder político, o poder financeiro e o poder empresarial para tomar conta de um jornal e de uma televisão privada, silenciando determinados jornalistas e promovendo outros jornalistas-fantoches. Isto, Filipe, pode não ser novo face ao que já se sabia da Europa, mas é novo em Portugal que é um país pequeno, pobre e com um espaço público extraordinariamente vulnerável. O cavaquismo sofreu todas as semanas com o Independente, mas não reagiu usando bancos privados e orquestrando esquemas com grandes empresas semi-privadas para o comprar e domesticar. Esta aliança pensada, fabricada e executada entre aqueles que têm o poder do Estado, o poder do dinheiro e o poder da economia com um objectivo de controlar a comunicação social e hegemonizar este governo, significou um ataque inconcebível e sem precedentes à nossa liberdade. É a liberdade que está aqui em causa, não tenhamos quaisquer dúvidas disso.

[ADENDA: Neste segundo post o FNV esclarece algumas das pontas que ficaram do primeiro e alude ao "papel dos capitalistas". Mas o "papel dos capitalistas" é aqui inseparável do "papel dos políticos". Ambos uniram o seu poder máximo para promover uma ordem social e mediática dentro da qual eles se assumissem como hegemónicos e incontestáveis. Este é o lado mais perurbador deste caso. No fundo, tudo muito mais grave do que uma mera manipulaçãozinha de jornais e televisões).

A Constituição

O Eduardo Pitta não tem razão a vários títulos. O Presidente pode constitucionalmente demitir o governo e o primeiro-ministro quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas. Para tal, não está sujeito aos limites temporais previstos na Constituição para o exercício do poder de dissolução da Assembleia da República. Nem faria sentido que estivesse, porque a demissão do governo assenta em pressupostos de responsabilidade constitucional do primeiro-ministro perante o Presidente que são naturalmente mais graves e excepcionais do que os subjacentes à dissolução do Parlamento. A demissão do governo destina-se a garantir, não a renovação da legitimidade política do executivo, mas a remoção de um governo que atenta gravemente contra o funcionamento regular dos poderes democráticos.

Após a demissão do governo, o Presidente também não está obrigado a dissolver a Assembleia da República e a convocar eleições antecipadas. Pode ocorrer a indigitação e a nomeação de um novo primeiro-ministro dentro do quadro da mesma composição parlamentar. E não é verdade que só exista o precedente Santana Lopes quando Durão Barroso apresentou o seu pedido de demissão. Por exemplo, depois da morte de Sá-Carneiro, Francisco Balsemão tornou-se primeiro-ministro dentro da mesma maioria parlamentar saída das eleições de 79. E também não é verdade que tivesse sido o PSD a escolher a sucessão sem eleições em Junho/Julho de 2004. Essa foi também, do ponto de vista político e constitucional, uma decisão do então Presidente da República Jorge Sampaio e não foi por acaso que, naquele contexto, Jorge Sampaio ponderou e maturou profundamente a sua decisão, tendo estado dividido entre permitir a substituição de Durão Barroso dentro da mesma maioria ou dissolver o Parlamento. Se, por hipótese, o PS não quisesse ou não tivesse condições de indicar um novo primeiro-ministro e formar governo, ainda assim a Constituição permitiria que o Presidente da República procurasse, dentro do quadro parlamentar existente, outras soluções de governo susceptíveis de garantir estabilidade política. O que seria politicamente difícil, é certo - pela probabilidade de o PS rejeitar o governo que fosse nomeado pelo Presidente - mas nem por isso constitucionalmente impossível.

Portanto, a substituição do actual primeiro-ministro e do governo que ele lidera pode dar origem a um novo primeiro-ministro e a um novo governo do PS, sem que o Presidente da República esteja temporalmente impedido de praticar os respectivos actos constitucionais de demissão e nomeação. Este é o formalismo que decorre do texto constitucional. Depois, se há condições políticas ou interesse dos actores envolvidos para isso acontecer, é outra coisa.

Investimento público na Grécia


A propósito do artigo de VPV

O que Vasco Pulido Valente não diz neste seu artigo (errado, como diz Pedro Lains), é que o caso Crespo não existiria se este primeiro-ministro não se chamasse José Sócrates e não tivesse o cadastro que tem de pressões, condicionamentos e interferências directas na comunicação social, protegendo jornalistas que lhe são afectos e perseguindo os que lhe são incómodos. Ninguém se preocuparia com este assunto e ninguém se indignaria se não fosse esse pormenor de peso.

Como os factos de horror hoje divulgados pelo Sol (e ainda não desmentidos) comprovam cabalmente, as declarações de Sócrates a Nuno Santos, se foram de facto aquilo que escreveu Crespo (eu não sei e só Nuno Santos o pode confirmar), não são declarações meramente privadas, porque não são separáveis desta questão de óbvio interesse público que é a relação autoritária e patrulheira do governo com os media.

Um político tem certamente direito à privacidade da sua vida pessoal, familiar, íntima e por aí fora. Mas precisamente porque tem poder e pode usar esse poder para fins ilegítimos ou persecutórios, o escrutínio democrático a que um político está sujeito justifica uma relativa restrição da sua privacidade. O Henrique Raposo lembrou aqui muito bem o artigo de VPV sobre as figuras públicas, escrito em 1993. Aliás, eu não seria tão drástico e definitivo como VPV. Eu não me atreveria a dizer que os políticos não devem gozar de forma alguma da privacidade. Diria que quem exerce cargos públicos aceita ser escrutinado sobre tudo o que diga respeito ao modo como exerce as suas funções públicas (e o critério é este e só este). De qualquer maneira, estou quase totalmente de acordo com os argumentos que VPV indicou naquele seu texto dos anos 90 (excepto a ideia do "conhecer tudo sobre eles")

"Os políticos, porém, não devem gozar do privilégio de privacidade, sob forma alguma. Em primeiro lugar , não se limitam, como os jornalistas, a persuadir: coagem. Em segundo lugar, representam um eleitorado, a quem assiste a prerrogativa de conhecer tudo sobre eles. Em terceiro lugar, recebem poderes para servir o Estado e a sociedade e convém garantir que os não utilizam em seu benefício privado. E, em quarto lugar, os políticos estão especialmetne sujeitos a chantagem."

O problema de VPV, por muito que eu o admire, continua a ser o mesmo. Em 1993 estava num extremo. Em 2010 passou para o outro.

Os factos

Estes falam em "higiene civilizacional" (suponho que para contrapor à grande higiene que vem relatada hoje pelo Sol). Pedro Marques Lopes, que ainda ontem jurava que não existia asfixia democrática nenhuma, pede-nos para recebermos de braços abertos o "mundo que aí vem" (este, como estamos a ver, é primoroso). O meu amigo Daniel Oliveira transforma os jornalistas no problema (como se tivessem sido os jornalistas a fazer as escutas no caso Face Oculta e como se as escutas em questão não tivessem sido validamente autorizadas por um juiz de instrução). Mas: e os factos, a substância, o escândalo e o enredo propriamente ditos? Não interessam para nada? Não aconteceram? Foi tudo uma invenção? Alguém irá falar do fundo do problema ou ficamos só pela secretaria e pela impunidade?

Problemas

Existisse em Portugal uma direita digna desse nome e estaríamos a debater o défice, o endividamento público, o peso do Estado na economia e o papel dos privados no combate ao desemprego. Estaríamos a discutir o conselho do FMI para reduzirmos os salários dos nossos trabalhadores para aumentar a competitividade. Daniel Oliveira

Creio que o Daniel está enganado. Andamos mesmo a debater o défice, o endividamento, o peso do Estado na economia e o papel dos privados no combate ao desemprego. Mas também temos debatido o garrote anti-democrático em que este primeiro-ministro gosta de meter a imprensa e todos os seus opositores. Os problemas do país não passam só pelo défice que o governo escondeu antes das eleições. Passam também por aqui: a política de interferência sistemática deste primeiro-ministro nos meios de comunicação social. Não é aliás um tema diferente da sua interferência na economia. É o mesmo tema: sempre o peso do Estado. Na economia, nos media, na sociedade ou na Administração Pública. Se de facto Mário Crespo é tido por José Sócrates como um "problema a solucionar", não é só o défice que deveríamos estar a debater. É também isto.