O que Vasco Pulido Valente não diz neste seu artigo (errado, como diz Pedro Lains), é que o caso Crespo não existiria se este primeiro-ministro não se chamasse José Sócrates e não tivesse o cadastro que tem de pressões, condicionamentos e interferências directas na comunicação social, protegendo jornalistas que lhe são afectos e perseguindo os que lhe são incómodos. Ninguém se preocuparia com este assunto e ninguém se indignaria se não fosse esse pormenor de peso.
Como os factos de horror hoje divulgados pelo Sol (e ainda não desmentidos) comprovam cabalmente, as declarações de Sócrates a Nuno Santos, se foram de facto aquilo que escreveu Crespo (eu não sei e só Nuno Santos o pode confirmar), não são declarações meramente privadas, porque não são separáveis desta questão de óbvio interesse público que é a relação autoritária e patrulheira do governo com os media.
Um político tem certamente direito à privacidade da sua vida pessoal, familiar, íntima e por aí fora. Mas precisamente porque tem poder e pode usar esse poder para fins ilegítimos ou persecutórios, o escrutínio democrático a que um político está sujeito justifica uma relativa restrição da sua privacidade. O Henrique Raposo lembrou aqui muito bem o artigo de VPV sobre as figuras públicas, escrito em 1993. Aliás, eu não seria tão drástico e definitivo como VPV. Eu não me atreveria a dizer que os políticos não devem gozar de forma alguma da privacidade. Diria que quem exerce cargos públicos aceita ser escrutinado sobre tudo o que diga respeito ao modo como exerce as suas funções públicas (e o critério é este e só este). De qualquer maneira, estou quase totalmente de acordo com os argumentos que VPV indicou naquele seu texto dos anos 90 (excepto a ideia do "conhecer tudo sobre eles")
"Os políticos, porém, não devem gozar do privilégio de privacidade, sob forma alguma. Em primeiro lugar , não se limitam, como os jornalistas, a persuadir: coagem. Em segundo lugar, representam um eleitorado, a quem assiste a prerrogativa de conhecer tudo sobre eles. Em terceiro lugar, recebem poderes para servir o Estado e a sociedade e convém garantir que os não utilizam em seu benefício privado. E, em quarto lugar, os políticos estão especialmetne sujeitos a chantagem."
O problema de VPV, por muito que eu o admire, continua a ser o mesmo. Em 1993 estava num extremo. Em 2010 passou para o outro.