De resto, o 25 de Novembro levou, de início, muita gente ao engano. Julgou tratar-se de um embate entre esquerda e direita, de que esta teria triunfado. Deste equívoco se alimentou durante uns tempos o 25 de Novembro. O que, na realidade, se verificou foi simplesmente o confronto entre uma extrema esquerda anarco-revolucionária e a esquerda socialista e maçónica, tendo esta última prevalecido.
Curioso período o ano de 1975: o país longos meses à deriva; a súbita sul-americanização, na pior acepção do termo, da vida portuguesa; a acomodação aporrinhada de uns e de outros; as pesporrências e as ameaças, os golpes e contragolpes; a Assembleia cercada por manifestantes; as declarações testiculares, aí valentes, do almirante Pinheiro de Azevedo do alto da varanda do palácio de São Bento; e, finalmente, originalidade suprema e suprema vergonha, o governo em Greve!? O país acéfalo.
[Marcello Duarte Mathias, Diário da Índia, 2004]