O triunfo dos antissépticos

Na contracapa do dvd de O Triunfo da Vontade (1935), pode ler-se o seguinte: Leni Riefenstahl foi actriz, realizadora e fotógrafa. Uma personagem controversa, uma visionária e acima de tudo uma sobrevivente que viveu grande parte dos seus 101 anos desvinculando-se mil e uma vezes da enorme sombra de suspeita que projectavam as suas duas obras primas: O Triunfo da Vontade e Olympia.

Não sendo formalmente incorrecto, este texto tem porém uma mensagem subliminar que o é: a ideia de que Riefenstahl foi erradamente tomada por nazi, quando na realidade apenas se tratava de uma cineasta visionária que, por acaso, filmou muito bem o nazismo. Uma espécie de tranquilizador para a consciência do consumidor ideal. Ou uma bisnagada daquele gel para gripes que agora há por todo o lado.

Acontece que há quem compre o filme, veja o filme e goste do filme sem se importar um segundo que a realizadora tenha sido, de facto, nazi. Mais, há quem ache até que a grande força do filme está, precisamente, nessa circunstância. O Triunfo da Vontade não seria o Triunfo da Vontade se tivesse sido filmado sob a ameaça da pistola de Goebbels. O contexto pertence à obra, como o virus pertence à doença. Ao menos nisto, poupemos nos remédios.