As contradições de Passos Coelho consigo mesmo

Vasco Campilho respondeu ao meu artigo sobre Pedro Passos Coelho com algumas derivações pessoais. No meu texto não me lembro de ter feito qualquer crítica no plano pessoal a Pedro Passos Coelho, que nem sequer conheço. Limitei-me a fazer um juízo político sobre a sua consistência e convicções durante o último ano. Apreciei o seu carácter político e apresentei factos. Vasco Campilho, um apressado aspirante a político que até já tem uma página no facebook a dizer “aqui não há fãs mas cidadãos”, resolveu partir do artigo para fazer avaliações ao meu carácter. Sugiro-lhe que se remeta ao seu nobre lugar de Miguel Abrantes do passos-coelhismo. Não me conhece de lado nenhum, nem eu irei perder muito tempo a explicar-lhe o que ele não consegue ou não pode ver.

Quanto à substância, reafirmo tudo o que escrevi. Para rebater os “meus” factos, Vasco Campilho diz que eu distorci as afirmações de Passos Coelho sobre o TGV. Adianta que, dias antes da notícia de 18 de Janeiro, Passos Coelho afirmou que “não temos condições este ano e para o ano para avançar”.

Obviamente, não houve qualquer distorção. Se em Janeiro a posição de princípio de Passos Coelho sobre o TGV era a de que a obra deveria ser suspensa, então não se compreende que logo após a entrevista à RTP em que Manuela Ferreira Leite defendeu essa mesma suspensão, ele tivesse contribuído para a circulação do sound-byte "Passos Coelho defende o TGV, em nova divergência com a líder do PSD". Ao mesmo tempo que silenciava por completo a questão da suspensão do investimento, o ponto nuclear da posição de Ferreira Leite.

Os objectivos de Pedro Passos Coelho eram óbvios: publicitar uma divergência com Manuela Ferreira acerca da recalendarização do TGV e dos compromissos já assumidos. Uma divergência que, vemo-lo agora, nem sequer existia. Mas foi assim que em Janeiro a notícia circulou pelos jornais, numa estratégia destinada a enfraquecer a liderança do PSD. Por isso, escreveu nomeadamente o Sol de 20 de Janeiro:

Desacordo com Ferreira Leite

A posição de Passos Coelho colide com a da líder do PSD, Manuela Ferreira Leite, que recentemente propôs «riscar imediatamente» o projecto da alta velocidade se vencer as legislativas de 2009.

Eis o sound-byte: Passos Coelho colide com a proposta de Ferreira Leite de "riscar imediatamente" o TGV.

No Diário de Notícias, pela mão do jornalista que assinou quase todas as peças sobre Passos Coelho e que lá terá as suas próprias fontes privilegiadas, a notícia é ainda mais explícita.

(...) Solução mantém compromissos internacionais
Em vez de riscar ou de cortar "imediatamente o TGV", como defendeu há dias a líder do PSD, Pedro Passos Coelho tem outras ideias para a alta velocidade (...).

De novo, sem margem para dúvidas, o mesmo sound-byte. Solução mantém compromissos internacionais, numa peça jornalística cheia de ambiguidades propositadas. Sobre a ideia de adiar o avanço do projecto, como parece que tinha defendido alguns dias antes, nem vê-la. Não interessava referi-la aqui, porque precisamente iria estragar o sound-byte. Como sempre, Passos Coelho não podia aparecer em público a dizer o mesmo que Manuela Ferreira Leite. Para ele, era muito melhor se aparecesse a dizer o mesmo que José Sócrates.

É evidente que, nestas circunstâncias, qualquer pessoa politicamente decente e leal teria sustentado com clareza a necessidade de suspender o TGV. Esse mesmo aspecto teria escorrido normalmente para a imprensa. Mas Pedro Passos Coelho entendeu que deveria fazer política de segunda categoria. E foi esta ambiguidade política impostora que eu critiquei no meu artigo e que outros na blogosfera até já tinham criticado em Janeiro, com os mesmos fundamentos.

Essa impostura atingiu o cúmulo na entrevista de domingo, no momento em que Passos Coelho apareceu a defender as mesmas ideias económicas de Manuela Ferreira Leite e, em particular, a suspensão do TGV. Ficámos todos a perceber que a maior e mais insanável divergência não é entre Pedro Passos Coelho e Manuela Ferreira Leite. É entre Passos Coelho e ele mesmo.