O Eduardo Pitta não tem razão a vários títulos. O Presidente pode constitucionalmente demitir o governo e o primeiro-ministro quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas. Para tal, não está sujeito aos limites temporais previstos na Constituição para o exercício do poder de dissolução da Assembleia da República. Nem faria sentido que estivesse, porque a demissão do governo assenta em pressupostos de responsabilidade constitucional do primeiro-ministro perante o Presidente que são naturalmente mais graves e excepcionais do que os subjacentes à dissolução do Parlamento. A demissão do governo destina-se a garantir, não a renovação da legitimidade política do executivo, mas a remoção de um governo que atenta gravemente contra o funcionamento regular dos poderes democráticos.
Após a demissão do governo, o Presidente também não está obrigado a dissolver a Assembleia da República e a convocar eleições antecipadas. Pode ocorrer a indigitação e a nomeação de um novo primeiro-ministro dentro do quadro da mesma composição parlamentar. E não é verdade que só exista o precedente Santana Lopes quando Durão Barroso apresentou o seu pedido de demissão. Por exemplo, depois da morte de Sá-Carneiro, Francisco Balsemão tornou-se primeiro-ministro dentro da mesma maioria parlamentar saída das eleições de 79. E também não é verdade que tivesse sido o PSD a escolher a sucessão sem eleições em Junho/Julho de 2004. Essa foi também, do ponto de vista político e constitucional, uma decisão do então Presidente da República Jorge Sampaio e não foi por acaso que, naquele contexto, Jorge Sampaio ponderou e maturou profundamente a sua decisão, tendo estado dividido entre permitir a substituição de Durão Barroso dentro da mesma maioria ou dissolver o Parlamento. Se, por hipótese, o PS não quisesse ou não tivesse condições de indicar um novo primeiro-ministro e formar governo, ainda assim a Constituição permitiria que o Presidente da República procurasse, dentro do quadro parlamentar existente, outras soluções de governo susceptíveis de garantir estabilidade política. O que seria politicamente difícil, é certo - pela probabilidade de o PS rejeitar o governo que fosse nomeado pelo Presidente - mas nem por isso constitucionalmente impossível.
Portanto, a substituição do actual primeiro-ministro e do governo que ele lidera pode dar origem a um novo primeiro-ministro e a um novo governo do PS, sem que o Presidente da República esteja temporalmente impedido de praticar os respectivos actos constitucionais de demissão e nomeação. Este é o formalismo que decorre do texto constitucional. Depois, se há condições políticas ou interesse dos actores envolvidos para isso acontecer, é outra coisa.