Este artigo do Filipe merece comentários. Desde logo porque é o Filipe e eu sigo tudo o que ele escreve com máxima atenção. Depois, para lhe dizer, em primeiro lugar, que estou de acordo que é preciso manter a cabeça frio neste momento. É sempre preciso manter a cabeça fria, sobretudo em tempos de escândalo. Estou ainda de acordo que outros governos manipularam e tentaram manipular a comunicação social em medida próxima à de Sócrates (mas não com o mesmo alcance e penetração). A RTP foi sempre governamentalizada (pelo PS e PSD), o DN mostrou sempre historicamente proximidade ao poder e o cavaquismo não está certamente inocente de intentos controleiros (foram muitos e eu também me lembro). Terceiro ponto de concordância: não comparemos o que se passou à censura do tempo da ditadura e a quem sofreu bem na pele, com custos físicos, afrontas à sua liberdade de expressão.
Dito isto, eis as minhas profundas discordâncias com o texto do Filipe: i) a manipulação, tal como parece ter existido, não foi obra sobretudo de "arrivistas", mas resultou (e teremos provavelmente a confirmação disso mesmo nos próximos tempos) de um plano idealizado e executado por vontade do próprio primeiro-ministro José Sócrates; ii) não é preciso esclarecer que ainda vivemos, apesar de tudo, em democracia, mas podemos e devemos dizer que tudo isto representou, de facto, uma iniciativa para manipular e restringir a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão num país que foi a eleições em 2009 (aliás, parece-me contraditório dizer-se que "as últimas eleições foram viciadas" e que a liberdade de expressão não é para aqui chamada); iii) eis o que é novo, grave e perturbador neste contexto: a criação de uma teia que unia o poder político, o poder financeiro e o poder empresarial para tomar conta de um jornal e de uma televisão privada, silenciando determinados jornalistas e promovendo outros jornalistas-fantoches. Isto, Filipe, pode não ser novo face ao que já se sabia da Europa, mas é novo em Portugal que é um país pequeno, pobre e com um espaço público extraordinariamente vulnerável. O cavaquismo sofreu todas as semanas com o Independente, mas não reagiu usando bancos privados e orquestrando esquemas com grandes empresas semi-privadas para o comprar e domesticar. Esta aliança pensada, fabricada e executada entre aqueles que têm o poder do Estado, o poder do dinheiro e o poder da economia com um objectivo de controlar a comunicação social e hegemonizar este governo, significou um ataque inconcebível e sem precedentes à nossa liberdade. É a liberdade que está aqui em causa, não tenhamos quaisquer dúvidas disso.
[ADENDA: Neste segundo post o FNV esclarece algumas das pontas que ficaram do primeiro e alude ao "papel dos capitalistas". Mas o "papel dos capitalistas" é aqui inseparável do "papel dos políticos". Ambos uniram o seu poder máximo para promover uma ordem social e mediática dentro da qual eles se assumissem como hegemónicos e incontestáveis. Este é o lado mais perurbador deste caso. No fundo, tudo muito mais grave do que uma mera manipulaçãozinha de jornais e televisões).