Coisas sobre comissões de inquérito (1)


Finalmente, o inquérito em apreço está a levantar a outra velha questão da colaboração com uma CPI dos tribunais e do Ministério Público. Convém sempre recordar a este propósito a jurisprudência muitas vezes «esquecida» do Tribunal Constitucional, nos termos da qual só em casos excepcionais é que tal colaboração pode ser recusada. E a verdade é que tal jurisprudência tem vindo a ser progressivamente posta em prática, não obstante se ter partido de uma situação em que qualquer pedido de colaboração nesse sentido por parte de uma CPI era visto, se não como um «crime de lesa-majestade», pelo menos como uma inapelável violação do princípio da separação dos poderes ou uma «intolerável intromissão do parlamento na função jurisdicional». Hoje de facto, os tribunais e o Ministério Público começam a considerar como perfeitamente conforme com a Constituição a colaboração com uma CPI. A própria comissão em apreço terá já obtido documentos sob confidencialidade por parte daquelas entidades – confidencialidade essa a que deverá manter-se rigorosamente vinculada.

(Nuno Piçarra, o único académico português que estudou com profundidade o regime das comissões de inquérito, num texto que encontrei aqui). Nele se diz, por exemplo, porque é que a recusa do primeiro-ministro em depor presencialmente na comissão lembra velhos tempos em que o cargo se chamava Presidente do Conselho. Este excerto refere-se ao dever de colaboração dos tribunais e do Ministério Púbico com uma CPI, sem que tal seja encarado como uma violação do princípio da separação de poderes. Piçarra fala aqui "na jurisprudência esquecida" do Tribunal Constitucional. Já lá vamos.